Tempo autoral
Relógios japoneses independentes conquistam colecionadores e desafiam o padrão suíço
Por Paulla Pinheiro - Em 20/05/2025 às 9:41 AM

Relógio de pulso com calendário perpétuo de Naoya Hida – Divulgação
No cenário da alta relojoaria, onde herança suíça costuma ditar o ritmo, uma nova geografia começa a se afirmar com força: o Japão. Longe das grandes maisons de Genebra, ateliês japoneses operando em escala quase intimista passaram a ocupar espaço de destaque entre colecionadores atentos. Peças feitas à mão, em edições limitadíssimas — algumas com produção anual inferior a quatro unidades — ganharam prestígio internacional, combinando filosofia, design e precisão com uma narrativa cada vez mais valorizada no mercado: a da exclusividade silenciosa.
Um dos nomes mais falados é o de Naoya Hida, que após décadas promovendo marcas suíças no Japão, criou sua própria. Fundada em 2018, sua marca aposta no refinamento absoluto: mostradores gravados à mão, numerais em laca sobre prata alemã e um foco intransigente na qualidade do acabamento. A produção gira em torno de 100 relógios por ano, e a mais recente criação — o NH Type 6A, com calendário perpétuo manual — levou cinco vezes mais tempo que o habitual para ser finalizada. Inspirado por referências que vão da arquitetura à moda, Hida costuma testar pessoalmente cada modelo antes de lançar, fazendo ajustes com base no uso real. Seus relógios, cada vez mais raros no mercado primário, já ultrapassam os preços de leilão da maioria das marcas consagradas.
Enquanto Hida traduz tradição com elegância minimalista, Hajime Asaoka assume a vanguarda da engenharia. Ex-designer industrial, Asaoka fabrica seus próprios movimentos do zero, com tornos manuais e atenção a cada micrômetro. Seu modelo Tsunami, com volante de 15 mm, impressiona pelo equilíbrio mecânico e desenho limpo. Foi também o primeiro japonês a criar um relógio de pulso com turbilhão totalmente desenvolvido localmente. Cada componente — do parafuso ao polimento final — é finalizado à mão. Com tiragens mínimas e uma linha paralela mais acessível, a Kurono Tokyo, Asaoka é frequentemente comparado a Philippe Dufour — elogio raro e definitivo no mundo da relojoaria.

Chronograph, da Hajime Asaoka
Na outra ponta do espectro, Masahiro Kikuno resgata o tempo como construção cultural. Seu relógio Wadokei recria o sistema tradicional japonês de horas temporais, que se ajusta conforme a luz solar — uma complicação rara, que exige adaptação diária. Mas é o método que mais impressiona: Kikuno dispensa CNCs e automatizações. Produz peças com ferramentas acionadas a pedal e iluminação a óleo. Sua oficina parece um templo, e seus relógios, quase meditações. Produz apenas duas a quatro peças por ano, vendidas sob encomenda direta. Quando um Wadokei chegou ao mercado secundário, foi arrematado por mais de 400 mil reais — uma cifra menos sobre o tempo e mais sobre o significado que ele carrega.

Temporal Hour Watch, da Masahiro Kikuno
O que une esses três mestres japoneses é uma recusa ao volume, à pressa e à repetição. Em tempos de hiperexposição e algoritmos, eles fazem do silêncio um ativo de luxo. E embora suas listas de espera sejam longas e seus modelos circulem discretamente entre iniciados, é exatamente essa postura que conquistou o mercado global — cansado de mais do mesmo e atento ao que é único. A alta relojoaria, antes uma estrada que levava sempre à Suíça, hoje faz uma parada obrigatória em Tóquio.
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