Instituto Data Favela

Pesquisa “Raio-X da Vida Real” revela panorama inédito sobre pessoas inseridas no universo do crime no Brasil

Por Julia Fernandes Fraga - Em 17/11/2025 às 2:47 PM

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Comunidade na cidade do Rio de Janeiro. Foto: Canal Drone VDA/YouTube

O Instituto Data Favela — ligado à Central Única das Favelas (CUFA), ambos fundados pelos empresários e ativistas sociais Preto Zezé e Celso Athayde — lançou nesta segunda-feira (17) a pesquisa “Raio-X da Vida Real”, um dossiê de 179 páginas que reúne uma vasta gama de dados sobre as pessoas inseridas no universo do crime, oferecendo um panorama inédito e múltiplas possibilidades de desdobramentos sobre as condições, percepções e trajetórias de 3.954 entrevistados em favelas de 23 estados brasileiros.

Durante a live de lançamento da pesquisa, ocorrida nesta manhã, Preto Zezé, e os demais integrantes do Data Favela, afirmou ser “uma responsabilidade muito grande ouvir de frente quem está ativamente na atividade do mundo do crime” e convidou a sociedade a conhecer o material.

A “Raio-X da Vida Real” se organiza em quatro módulos principais focados em temas como família, educação, consumo e gênero. 

Módulo 1 – Família, Educação e Saúde

Os dados apresentados neste módulo confrontam a tese de “família desestruturada” como causa central do ingresso no crime. 73% dos entrevistados foram criados no núcleo familiar e 65% cresceram com a presença da mãe – proporções coerentes com os números do Censo do IBGE.

Sobre isso, Zezé observou que o estudo “quebra mitos também sobre a questão do dinheiro, sobre luxo, sobre poder”. […] Ele defendeu “quebrar estigmas que impedem um debate mais qualificado sobre a questão da família, sobre gente que não quer que seus filhos continuem nessa atividade e que porta de saídas existe“. A fala do ativista vai ao encontro dos 84% que afirmam que não deixariam seus filhos entrarem para o crime”. 

Aqui, a educação surge como um caminho reconhecido de transformação por 41% dos entrevistados. Entre as profissões almejadas, Direito lidera com 18%, seguido por Administração (13%), e áreas como Medicina, Enfermagem, Engenharia e Arquitetura (11%).

Módulo 2 – Os Caminhos do Crime

O estudo revela que a permanência ou saída do crime estão profundamente ligadas às condições de sobrevivência, já que 68% não sente orgulho do que faz.

Entre as motivações para sair estão abrir o próprio negócio, emprego com carteira assinada e atividades com horários flexíveis, fatores que representam 57% das respostas.

Já entre os que não pretendem abandonar, estão o temor por não ter outra fonte de renda, por não sustentar a família e por risco de vida. 

Sobre a centralidade das oportunidades, Preto Zezé enfatizou que “quando o país oferece oportunidade, o próprio crime perde a força. E isso muda tudo. O crime não é destino para ninguém. É a falta de opção. Quando a gente cria opção, a vida vai vencendo”.  

Módulo 3 – Vivências, Cotidiano, Consumo e Cultura

Quando o assunto é a condição econômica, o que se sobressai é a instabilidade de renda e o valor baixo, ao contrário do que se poderia inferir.

63% dos respondentes afirmam ganhar até dois salários mínimos; 36% exercem outra atividade remunerada; e 18% dizem que não sobra nada ao final do mês.

A análise registra também que o maior sonho de consumo é “ter uma casa” (28%), seguido de “comprar uma casa para a família” (25%), reforçando a busca por estabilidade e proteção para seu núcleo familiar.

Módulo 4 – Gênero, Raça e Juventude

A “Raio-X da Vida Real” aborda por último as desigualdades estruturais do país que se refletem no ecossistema criminal. Constatou-se que 79% dos entrevistados são homens e 21% mulheres. Menos de 1% se declara LGBTQIAPN+. Nesse cenário, as mulheres, embora minoria, aparecem três vezes mais representadas em funções auxiliares do que em posições de comando do tráfico.

Desdobramentos

Durante o lançamento, a expectativa geral da equipe Data Favela é a de que autoridades, empresários e movimentos sociais se debrucem sobre a pesquisa, de modo que “os invisíveis, os que muitas vezes são contados como números, muitas vezes até números matáveis e descartáveis” sejam vistos.

Foi defendido que, a partir do dossiê, sejam pensadas “soluções para o país que não se limitem aos climas políticos, que não se moldem às conveniências eleitorais, mas produzam uma agenda para além desses momentos”.

Preto Zezé sustentou, por fim, a necessidade de “que outros olhares sejam praticados sobre essas pessoas e territórios, apontando luzes “[…] para possibilitar uma pauta de agenda pública para o Brasil, de colaboração entre os poderes, de compreensão de um tema tão complexo [que é a segurança pública]”.

Confira na galeria alguns dos dados disponibilizados pela “Raio-X da Vida Real”.

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