Arquitetura cultural
Londres ganha museu inovador onde o acervo é a principal atração
Por Marlyana Lima - Em 02/06/2025 às 4:37 AM

Expositores nas extremidades das prateleiras de armazenamento do V&A East Storehouse
Em um mundo em que a arquitetura cultural muitas vezes se apoia em ícones visuais e monumentalidade, o novo V&A East Storehouse, inaugurado em Stratford, no leste de Londres, propõe uma revolução silenciosa – mas profundamente transformadora – na forma como compreendemos museus. Trata-se de uma instituição onde o acervo oculto se torna protagonista, onde o bastidor se torna palco, e onde a arquitetura cede lugar à experiência viva e transparente da cultura.
Projetado pelo prestigiado escritório nova-iorquino Diller Scofidio + Renfro – conhecido por obras como o High Line e o Shed, em Nova York, e o Broad Museum, em Los Angeles – o V&A East Storehouse ocupa o que antes seria um anônimo centro de dados. A estrutura industrial, com quase 300 metros de comprimento, nasceu como parte da regeneração urbana do leste londrino, construída sobre um antigo estádio de corrida de cães. No entanto, em vez de esconder sua função original, o museu a celebra e a reinventa.
Do Arquivo ao Espetáculo
Ao contrário dos depósitos convencionais escondidos em parques industriais, o Storehouse transforma o armazenamento em uma narrativa viva. O visitante entra por uma discreta entrada marcada por uma placa supergráfica do V&A. O saguão, despretensioso, lembra mais um espaço de coworking. Ao subir uma escada, é lançado imediatamente no coração do acervo: uma floresta de estantes repletas de objetos de todas as épocas, do busto clássico à guitarra de plástico moldado por injeção.

Cúpula do teto de Torrijos exposta no V&A East Storehouse
Entre os milhares de itens visíveis, alguns se destacam como revelações cuidadosamente encenadas: a ornamentada cúpula do Teto de Torrijos (Espanha, século XV), um fragmento do brutalista Robin Hood Gardens (déc. de 1960), um escritório completo de Frank Lloyd Wright, a Cozinha Frankfurt de Schütte-Lihotzky (ícone funcionalista da década de 1920) e, sob os pés, visível por um painel de vidro, uma seção da colunata de mármore da casa de banhos do imperador mogol Xá Jahan. Há até espaço para peças monumentais, como a cortina de palco de 1924 baseado em um trabalho de Picasso para os Balés Russos.

Cortina de palco de 1924 baseada em um trabalho de Picasso para os Balés Russos
Arquitetura Invisível, Cultura à Mostra
A genialidade da proposta está em sua inversão de valores: o edifício não quer ser icônico. Sua arquitetura é deliberadamente funcional e silenciosa. Ao abdicar de uma imagem marcante, os arquitetos permitem que o conteúdo fale por si. É o museu como processo, e não como vitrine.

Colunata de mármore da casa de banhos do imperador mogol Xá Jahan
Museologia do Século XXI
A proposta do V&A East Storehouse está na vanguarda de um novo pensamento museológico. Assim como o depósito do Museu Boijmans Van Beuningen, em Roterdã, ele questiona a lógica da curadoria seletiva e do acervo invisível. Em tempos de debates sobre restituição e transparência institucional, abrir os bastidores se torna não apenas um gesto ético, mas também estético.

Fachada do V&A East Storehouse, em Londres
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