COMPETIÇÃO JUSTA

‘Mulheres do Mercado’ defende equidade salarial nos ambientes corporativos

Por Marcelo - Em 15/07/2023 às 7:48 AM

No mundo ideal, mulheres e homens que exercem as mesmas funções não deveriam receber salários diferentes. Com anos de experiência no mundo corporativo, porém, a executiva cearense Carolina Ragazzi reforça que o chamado ‘pay gap’ está longe de ser extinto. Com esse e diversos outros problemas de equidade em mente, ela cofundou o grupo ‘Mulheres do Mercado’, que tem o objetivo de contribuir para ambientes de competição justa, em que o gênero dos funcionários não interfira nas oportunidades de crescimento profissional.

Carolina Ragazzi quer criar uma célula do grupo que criou no Ceará 

Segundo Ragazzi, a participação no mercado de trabalho garante autonomia financeira à mulher, o que é sinônimo de liberdade. Isso porque, qualquer que seja o nível social, depender do homem pode significar uma porta de entrada para algum tipo de vulnerabilidade e até violência doméstica. “Essa autonomia é liberdade de escolha, é poder ser ouvida e tomar decisões. Além disso, a participação das mulheres melhora a renda da família, traz equilíbrio de forças no ambiente familiar e incentiva as novas gerações de meninas. Filhas de mulheres que trabalham tendem a ganhar mais do que aquelas que não têm essa referência em casa”, afirma, citando dados de estudo conduzido pela Harvard Business School.

A executiva destaca que os homens também ganham com o fim da desigualdade salarial. Quando as contas da casa passam a ser divididas de maneira mais equilibrada, eles podem ter mais tempo para si e para os filhos. “A família inteira ganha com a equidade”, diz.

Vida profissional

Ragazzi nasceu em Fortaleza, mas reside há 18 anos em São Paulo, onde construiu sua carreira no mercado financeiro. Ela ressalta que o ‘pay gap’ entre homens e mulheres é praticamente universal. No Brasil, a diferença salarial chega a 22%, de acordo com dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“É uma diferença absurda e ela existe em todos os setores, em menor ou maior grau. Isso é fruto do desenvolvimento histórico da humanidade e dos papéis esperados para o homem e para a mulher. Desde que a mulher ingressou no mercado de trabalho, por volta dos anos 50, após a segunda guerra mundial, e um pouco mais tarde no Brasil, nos anos 70, não houve uma redistribuição das tarefas domésticas na mesma velocidade e proporção”, lamenta.

Mulheres devem receber os mesmos salários que homens

Segundo a executiva, uma vez alcançada a posição no mercado de trabalho, a mulher ainda enfrenta novos desafios, como a dupla jornada – o trabalho doméstico é invisível e não tem salário. “As mulheres gastam, em média, 16 horas por semana em trabalhos domésticos, enquanto os homens gastam cinco. É uma diferença elevada e um círculo vicioso, pois elas cumprem essa rotina exaustiva e muitas vezes se veem absolutamente sobrecarregadas. E quando elas percebem que ganham menos para a mesma função, é bastante desestimulante”, diz.

“A transformação que a gente quer ajudar a promover no ‘Mulheres do Mercado’ é conscientizar as mulheres da importância dessa autonomia financeira”, completa. “Quanto aos grandes líderes empresariais, é fazê-los entender os benefícios de ter diversidade em suas empresas e, para tal, precisa-se estabelecer e fazer cumprir políticas adequadas que mitiguem as adversidades, como a licença parental. Como cofundadora do grupo, já escutei inúmeras histórias que se repetem. São diferentes atores, diferentes empresas, mas as mesmas situações. Estas corporações não podem ser um dificultador para a mulher que quer estar lá”, afirma.

Ragazzi diz ainda que o ‘Mulheres do Mercado’ mantém contato permanente com os governos, tendo em vista que são necessárias políticas públicas para dar velocidade e eficácia no cumprimento de determinadas metas. Ela argumenta que a sociedade civil deve se mobilizar e a mídia precisa expor a demanda que existe por igualdade de gênero. “Deve, portanto, ser um trabalho conjunto e não só das empresas”, afirma.

A CLT já proíbe qualquer tipo de discriminação de gênero, raça, orientação sexual e religião. “No entanto, não se vê seu cumprimento. Recentemente, o governo aprovou a penalidade para empresas que descumprirem a equidade salarial para o mesmo cargo. Algumas pessoas dizem, por desconhecimento, que isso não é preciso, pois está na CLT. Mas é necessário, porque agora existe um valor claro de multa e um script que as empresas precisam cumprir para prover um ambiente de trabalho justo, inclusive na questão salarial”, afirma.

Vieses inconscientes

Ainda segundo Ragazzi, é comum no mercado de trabalho as pessoas tirarem conclusões com base em vieses inconscientes. “Como vivemos em uma sociedade machista, decisões de contratação e promoção, por exemplo, acabam prejudicando a ascensão feminina”, afirma. Ela lembra o estudo de caso Heidi/Howard escrito por duas professoras de Harvard que testou a percepção dos estudantes acerca do trabalho e conquistas do personagem do artigo. As professoras distribuíram o mesmo artigo que contava a trajetória desse (a) executivo (a) para dois grupos de alunos, mudando exclusivamente o gênero do profissional: para um grupo, a protagonista seria Heidi e para o outro grupo Howard. Para o mesmo enredo, o grupo que avaliou Howard o identificou como competente e carismático, e o grupo que analisou Heidi definiu-a como uma mulher não amistosa. Quando você se depara com uma mulher que tem postura firme, o automático é haver certa estranheza. E isso prejudica a avaliação, a performance, e, muitas vezes, a remuneração. Em alguns setores, além do salário fixo, há uma compensação variável, reflexo da avaliação individual. Se você está sendo avaliada injustamente, com base nos vieses inconscientes das pessoas, isso pode te prejudicar financeiramente, prejudicar sua marca pessoal dentro da corporação e te tirar oportunidades. As empresas precisam combater esse tipo de equívoco, mas o primeiro passo é reconhecer que eles existem”, explica.

Nesse cenário, ao ingressar no mercado de trabalho, é comum que a mulher se dedique mais para ter o mesmo reconhecimento que um colega, ou eventualmente até renuncie ou adie projetos pessoais para continuar entregando aquele quilômetro extra na maratona.

Carolina Ragazzi critica o posicionamento de algumas empresas

Algumas pessoas, diz, também acreditam que políticas afirmativas para a diversidade atrapalham a meritocracia, mas isso não é verdade, pois elas andam juntas. “A diversidade é muito positiva para as empresas, tanto que aquelas que têm uma liderança diversa performam financeiramente melhor. Hoje, temos de 15 a 20 anos de dados comprovando que empresas diversas dão mais lucro, já que não contam com apenas um grupo homogêneo tomando as mesmas decisões. É na divergência que a gente inova, é criativo. É preciso disseminar esse conhecimento para os líderes. Todo tipo de diversidade é produtivo para a empresa”.

Fruto dessas experiências e observações de Ragazzi, o ‘Mulheres do Mercado’ nasceu no final de 2016, em São Paulo, e evidenciou a existência de uma demanda muito grande por momentos em que as mulheres pudessem trocar informações e experiências do mundo corporativo. O que começou como um pequeno grupo de networking entre executivas do setor financeiro foi se tornando algo maior. As participantes passaram a levar colegas de trabalho, o tema chegou a mais empresas e essa cultura acabou se espalhando para outros estados, nos quais foram criados núcleos com encontros periódicos.

Agora, a executiva pretende criar uma célula do grupo no Ceará. “Temos um perfil do Instagram com 27 mil seguidores, 100% orgânico, com uma demanda avassaladora de mulheres que querem fazer parte. Quero criar um grupo de networking com executivas e empreendedoras cearenses, para que a gente dê a visibilidade que o tema merece e fomente discussões e mudanças na cultura daqui também”, conclui Carolina Ragazzi.

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